Matueté Blog
2 de abril de 2015

:: (a) África | Dica do Viajante | Matueté em Campo

Susanna é uma das sócias da Matueté e viaja em busca de experiências capazes de nos transformar. Dê uma olhada em seu relato emocionante pela Etiópia e inspire-se também para suas próximas aventuras…

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Olá,

No começo do ano passado passei por uma das mais transformadoras experiências de viagem de toda minha vida. Por 10 dias vivi na Etiópia momentos intensos, por vezes chocantes, mas todos incríveis. E, mesmo já passado algum tempo, ainda não me contenho em contar sobre esta viagem onde quer que eu vá!

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Em janeiro de 2014, me juntei à três amigas e partimos à este país africano de 95 milhões de habitantes, iniciando nosso roteiro em Lalibela, no norte. Um lugar marcante, com uma coleção de igrejas monolíticas protegidas pela Unesco, esculpidas em rochas e visitadas a partir de uma árida trilha pelas montanhas. Lindo!

Foto 3– uma das igrejas monolíticas de Lalibela, durante o Timkat Festival (comemoração do batizado de Cristo) –

De lá, seguimos para Omo Valley, já no sul, onde aconteceu nossa vivência com as tribos e diferentes etnias. Tendo como base o Lumale Camp, na beira do Rio Omo, tínhamos acesso a um conforto inesperado, já que dormíamos em tendas com ótimas camas, lençóis novinhos, tínhamos chuveiro (tudo bem que o modelo era pouco convencional!) e a comida estava sempre uma delícia. Dali, saíamos em jipe ou barco por longos percursos até alcançarmos as muitas tribos da região, todas de tamanhos, hábitos, costumes e línguas diferentes, mas convivendo em aparente paz. 

Foto 4 – Lumale Camp –

Foto 5– meu nada convencional chuveiro! –

Apenas para ter uma ideia da diversidade, os Karo, tribo do nosso querido guia e motorista Lalo, se pintam de barro branco e enfeitam os cabelos com barro vermelho; os Bennas usam colares nas cores azul e branco e cortes de cabelo inusitados; os Hamar usam anéis pesados na garganta e nos pés, além de um cabelo mais comprido e protegido por henna e óleo. As mulheres da tribo Mursi usam pratos no lábio e na orelha como símbolo de beleza. E todas elas fazem scarification, uma tatuagem corporal impressionante. Foi uma delícia fotografar esta variedade cultural colorida! Porém, analisando com mais cuidado e tentando entender os costumes e estilos de vida destes povos, algumas dúvidas surgiram.

Foto 6– um dos habitantes da tribo Karo –

Foto 7– scarification em garotas da tribo Nyangatom –

 O afastamento da civilização por tanto tempo manteve as tribos no vale do Rio Omo numa vida pré-histórica. São pastores e fazendeiros, criam boi, cabra e ovelha e plantam sorgo, cevada, milho e legumes na beira fértil do rio. São bastante saudáveis, mas moram em ocas pequenas, simples, sujas e no meio do deserto. Usam ferramentas precárias do tempo dos dinossauros, feito por eles mesmos, e suas roupas são de pele de caça. Não há carros, a não ser dos raríssimos turistas, não há escolas e muito menos hospitais. Quase nada do nosso mundo civilizado. Mas impressionantes mesmo são os rituais de mutilação, como os lábios e orelhas alargados, tatuagens pelo corpo (com carvão esfregado em cortes geometricamente alinhados) e cicatrizes que são prova de heroísmo dos homens e de beleza nas mulheres. Confesso que foi difícil dormir depois de presenciar alguns destes, e ainda me pergunto como estes povos conseguiram permanecer tanto tempo afastados da civilização, a ponto de sua existência estar ameaçada em função de qualquer mudança ou intervenção do mundo moderno.

Foto 8 – rituais de mutilação das garotas de Mursi-

A verdade é que esta viagem para a Etiópia me deixou com mais pontos de interrogação do que respostas. E minhas crenças sobre direitos humanos receberam uma bela sacudida! Como querer proteger as mulheres, quando a cultura as ensina que apanhar é sinal de força e devoção? Como proteger as crianças, se há uma lei aleatória que as classifica como mingis e algumas precisam ser sacrificadas? O turismo tem criado uma nova fonte de renda para esse povo. Pela falta de infraestrutura e pela longa e difícil viagem, são poucos os que se aventuram até o Rio Omo, 50 km da fronteira com Sudão do Sul. Mas com o dinheiro, pago pelas fotos que tiramos ou pela participação em rituais culturais, são comprado baldes, dotes (cada mulher custa 127 cabras!), animais e também armas.

Foto 10 – nosso querido guia Lale com a sua mãe –

Mas não será, provavelmente, a partir do turismo que estas tribos irão conservar-se saudáveis e íntegras, em meio à tantas transformações e até guerras ao redor. Acredito que, principalmente, a educação amenizaria os efeitos chocantes do atraso. Nosso guia Lale é um bom exemplo disso: depois de nascer na tribo Karo, uma missionária o adotou quando criança e o educou. Ele é a primeira pessoa da tribo a terminar uma educação formal, usar um telefone celular, responder e-mails em inglês e dirigir automóveis. E, o mais importante: hoje se vê como defensor do seu povo e tribos ao redor, disseminando seu orgulho e mostrando um pouco de sua cultura à intrépidos viajantes como eu!

Espero que tenha gostado do relato e que ele ajude a inspirar viagens incríveis como esta!
Um grande abraço,
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