Israel não estava no topo da minha lista. Um motivo bem pagão me levou para lá: a comida.
Foi comprar o livro “Jerusalem”, do chefe Yotam Ottolenghi, e pronto: não via a hora de desbravar o mercado de Mahane Yehuda, comer um pita fresquinho nas padarias de Jaffa, experimentar todas as variações de falafel e homus, beber suco de romã espremido na hora.
E lá fui eu, em pleno Carnaval conhecer a Terra Santa.
Comecei por Tel Aviv, onde me hospedei no charmoso The Norman. O hotel fica na White City, bairro com a maior concentração de construções no estilo Bauhaus do mundo e tombado pela Unesco em 2003. O The Norman ocupa dois desses prédios e tem um clima delicioso de casa. Depois de uma boa noite de sono, parti para explorar a cidade, mas não sem antes provar o “Israeli Breakfast” que me oferecia o menu do hotel – ovos mexidos, salada de tomates, minúsculas azeitonas verdes e coalhada seca com záatar. Ali, na primeira manhã, tive certeza de que minha expedição “semi-gastronômica” seria bem-sucedida.
Tel Aviv é bastante plana, e é muito fácil navegar pela cidade. Há sempre a referência da orla, e a prefeitura oferece sistema de bicicletas compartilhadas para quem quiser pedalar, embora do hotel The Norman dê para chegar a quase qualquer lugar a pé.

Meu destino em Jaffa era a padaria Abulafia, estabelecimento centenário, que assa na hora burekas e pitas, e tem uma oferta incrível de doces. Os fornos em ação são um espetáculo à parte. De lá, voltei à parte “nova” da cidade, para visitar o Museu de Arte de Tel Aviv, que abriga uma grande coleção de artistas israelenses e judeus dos séculos XIX e XX, além de exposições temporárias, sobretudo de fotografia – estas nos corredores e salões futuristas da nova ala, a Amir Building, com paredes de concreto em ângulos pouco usuais. Pedalei pela White City no finalzinho da tarde, e tomei drinks no animado bar do hotel antes do meu primeiro jantar em Israel. Não me decepcionei com o Mizlala, restaurante de forte apelo mediterrâneo e excelente carta de vinhos das colinas de Golan.
Daria para ter passado muito mais tempo em Tel Aviv, mas eu tinha que continuar viagem. Como o país é pequeno, num único dia (longo e num ritmo acelerado, devo confessar) foi possível percorrer todo o norte de Israel. Em Nazaré, visitei o famoso Santuário e comi os melhores doces de massa phyllo e pistache que já provei. Em Copernaum, tomei o primeiro copo (de muitos) de suco de Romã. Entre Tabgha, lugar do milagre bíblico da multiplicação dos peixes, e Tiberíades, às margens do Mar da Galileia, numa banca de beira de estrada, provei um falafel frito na hora, temperado com um picante molho de manga trazido a Israel por judeus iraquianos – viciante.
Comendo e bebendo entre cenários de passagens bíblicas, desci o vale do Rio Jordão (cruzei toda a margem ocidental, a famigerada “West Bank”), vi o deserto virar verde e depois deserto de novo, coloquei a pontinha do dedo no Mar Morto e finalmente cheguei a Jerusalém.
O dourado do Domo da Rocha brilhava sobre a cidade branca. Foi uma visão inesquecível.
Em Jerusalém dividi minha estadia entre dois hotéis. O primeiro foi o agradável American Colony. Do lado árabe da cidade, foi originalmente uma “colônia” de evangélicos americanos que imigraram para a Terra Santa no século XIX, e até hoje conserva o clima “Old World” e uma atmosfera misteriosa – o hall e o bar adorável, com alguns tipos indecifráveis, parecem cenário
Dividi meus dias também entre almoços autênticos e jantares incríveis.s de um romance de Carré ou Graham Greene. O outro foi o moderno Mamilla, colado nas muralhas da cidade antiga. Cada um tem seu charme e suas vantagens: o American Colony é o hotel dos expats, dos correspondentes de imprensa internacionais, do bar intimista, dos quartos grandes e old fashioned. O Mamilla é o hot spot da cidade: com sua bela arquitetura que mescla referências locais – como as pedras da fachada – à linguagem contemporânea, fica adjacente a um mini shopping simpático e muito perto do principal portão de Jerusalém, o Jaffa Gate.
Fiz uma caminhada sobre as muralhas, programa quase desprezado pela maioria dos turistas, mas que dá um panorama único de Jerusalém. Desci no Arab Quarter e corri para a casa de homus Abu Shukri. Sem pratos, com talheres de plásticos e guardanapos de papel, comi o melhor falafel e o melhor homus da viagem. Ao lado do Mercado de Mehane Yuda, programa obrigatório, conheci o simplíssimo Rachmo, que serve charutinhos de folha de uva que derretem na boca e sopa de beterraba com bolinhos de carne, outra especialidade dos judeus iraquianos.
Andei pelos jardins do Domo da Rocha, subi o Monte das Oliveiras, fui a Belém. Vi as preces no Muro das Lamentações. Testemunhei as emocionantes celebrações de Bat e Bar Mitzvah no Muro das Lamentações. Percorri a via Dolorosa com um grupo de monges franciscanos que narravam a paixão de Cristo a cada uma das estações. Subi escada, desci escada, me perdi em labirintos.
Cruzam-se bairros e religiões em poucos passos. Assim como se transita entre mediterrâneo e oriente em poucos pratos.

O ponto alto foi o Machneyuda: pratos tradicionais revisitados como o Shikshukit, carne moída de cordeiro com tahini e iogurte ou as lulas com creme de berinjela defumada e harissa, salada fatush como nunca antes vista, tudo numa atmosfera vibrante, cozinha cheia de energia, chefs que brindam com os comensais a cada prato.
Há algo de fresco, de novo, de muito interessante na culinária israelense. “Farm to table” aqui é condição, não atrativo. É como se já tivessem superado todos os modismos, coletado o mais gostoso e o essencial desse privilegiado mix de influências de quem está de frente para o Mediterrâneo e de costas para o Oriente Médio, e produzido algo único.
E, claro, a comida é só um pequeno-essencial motivo para conhecer Israel…
















































