Apesar de cansado dos dias corridos de viagem, acordo animado com o sol forte. Começo o dia na Fazenda Bom Jesus, uma extensa propriedade produtiva de gado de corte e que conta com um pequeno centro de reabilitação de vida selvagem (fechado para visita) de animais apreendidos pelas autoridades locais e enviados para se reacostumarem com a natureza. O ecossistema da fazenda é uma pequena representação do que podemos encontrar na Ilha: Campos de várzeas, e planícies inundáveis, Matas de terra firme e Manguezal.
Depois da visita sigo em direção a Belém. A viagem foi tranquila, num balanço gostoso do rio Pará, como é conhecido o rio Amazonas por ali. Durante a navegação saboreei água de coco, tapioca doce, chopo de taperabá e uma pancadona de chuva amazônica. Cheguei com o fim de tarde em Belém, já com saudades de Marajó!
O dia é de céu azul na ilha e subimos o rio Paracaury em direção a fazenda Sanjo. No caminho, aproveito para conhecer o furo do Miguelão – segundo uma lenda local, Miguel era um caixeiro viajante de origem árabe que chegou a região no fim do séc XIX que mandou construir um furo para cruzar do rio Paracaury a outros pequenos rios da região. Esse furo corta uma vegetação de mangue e floresta de várzea e não possui mais de 20metros de largura nos seus trechos mais largos, o que dá a sensação de estar sendo coberto pela alta floresta do mangue Marajoara.
Após o passeio no furo seguimos subindo o rio para a fazenda Sanjo. Mal desembarcamos num igarapé da fazenda e lá estavam dos vaqueiros nos aguardando com 2 búfalos de montaria! Subimos nos calmos búfalos marajoaras e andamos por com uns 20 min até chegar a sede da Fazenda. De lá saí a cavalo com mais dois vaqueiros para buscar uma manada com cerca de 50 búfalos, que precisava ser deslocada em direção a um campo alagado. Depois de mais de 40 minutos com água quase passando dos meus joelhos chegamos ao curral.
Continuo o passeio para conhecer um outro ponto da ilha, na fazenda Nossa Senhora do Carmo, no município de Cachoeira do Arari. Um caminho belíssimo por rios da região. No fim do dia volto à cidade de Soure para jantar em um simples bar da região e provar a concorrida coxinha de carangueijo, comum na ilha. Degusto essa iguaria e acabo o dia cansado, mas feliz da vida.
Integrante da equipe Matueté, Pedro Treacher conta os desafios e belezas de enfrentar os 9 km de subida até o topo da Serra de São José em Tiradentes, Minas Gerais.
A Serra de São José, que se debruça sobre Tiradentes em forma de dois paredões, é um prato cheio pra quem, como eu, não perde a oportunidade de desviar um pouco o olhar da cidade e se enfiar no mato! Com certeza, vale cada hora (e cada passo) gastos para subir ao topo! Antes de me aventurar morro acima, conversei com moradores e guias locais sobre a duração e distâncias das trilhas. Cheguei a conclusão que deveria fazer o circuito da Trilha do Carteiro, Vale das Libélulas e voltar pela Crista da Serra, que forma um percurso circular de aproximadamente 9 km. Aproximadamente, porque ao perguntar para moradores do entorno da entrada da trilha ouvia:
– Ah, são uns 5 km mineiros.
– Quilômetros Mineiros?
– Sim, vai seguindo, “devagarin’’, que chega, tem erro não…
A Trilha é tranquila, bem marcada e com visuais deslumbrantes. Quase no topo da Trilha do Carteiro chega-se a um passo com calçamento de pedras, feito pelos escravos perto do ano de 1750, no auge da exploração de ouro na região, para facilitar a comunicação da Vila de São José (atual Tiradentes) com as vilas ao norte da Serra.
Como os carteiros buscavam sempre o menor e mais fácil caminho, a trilha sobe pela parte menos inclinada da Serra. Nossas pernas agradecem! O topo da Serra tem mata bem preservada e uma trilha plana pelo Vale das Libélulas (que não ganhou esse nome à toa), com uma vegetação de Cerrado repleto de Sempre-Vivas e Canelas de Ema. A Volta pela Crista da Serra oferece vistas lindas, com mirantes de 1260m de altitude. Cheguei a cidade 200 fotos e quatro horas de caminhada depois, ansioso para um merecido almoço típico mineiro.
Após um café da manhã especial, tendo o rio Paracauary como pano de fundo, saímos eu e o Gelderson para conhecer a Fazenda São Jerônimo, há apenas 20min de carro da pousada. Fomos recebidos pelo condutor local que nos levou até as margens de um igapó, onde entramos numa canoa a remo. Seguimos o passeio navegando a favor da correnteza. O visual é lindo, com uma bem preservada mata ciliar, muitas palmeiras e outras árvores de grande porte, (raro em mangues de qualquer lugar do mundo, mas não nos mangues de Marajó).
Depois de 30 minutos remando chegamos a um ponto belíssimo, onde este igapó se divide em dois: a direita ele encontra o mar e a esquerda o igapó em meio ao mangue, e suas águas se espalham pela emaranhada vegetação desse ecossistema. Encontramos uma trilha suspensa feita em madeira, que cruza o mangue, e o que se vê é simplesmente de outro mundo! As árvores de mais de 25 metros, com suas enormes raízes aéreas, se emaranham com arbustos e outras árvores menores. Só estando lá para entender esse lugar, onde moram dezenas de milhares de caranguejos no chão e inúmeras aves, entre elas pica paus da cabeça vermelha e da cabeça azul.
Depois da experiência de caminhar no mangue por uns 20min, encontramos dois desconfiados, mas amigáveis, búfalos e com a ajuda de uma pequena plataforma montamos nesses animais de mais de 800kg. O passeio é tranquilo e, apesar dos animais serem mansos, eles tem personalidade. Os búfalos escolhem os caminhos que mais lhes convém.
À noite a programação de jantar foi diferente! Eu e o Gelderson rumamos novamente para a Comunidade do Pesqueiro, já que fomos convidados para assistir a apresentação do Carimbo, a música e dança típica mais famosa de toda a Amazônia e ainda muito popular no Pará. O evento é uma festa organizada pela associação de mulheres e de pescadores locais para homenagear as mães da comunidade. Tem sorteio de brindes, comidas típicas a base de frutos do mar, música brega, carimbo, musica pop, trilha sonora da novela das 8 e muito mais. Muito divertido! Começa a apresentação da dança de Carimbo e lá vou eu tirar um monte de fotos. No final, sou convidado a dançar um pouquinho e mostro minha “habilidade” no Carimbo.
Logo cedo chego a uma comunidade de Pesqueiro, que fica a 20 minutos de Soure. A faixa de areia é extensa e dura, e só acaba bem pertinho de uma vegetação que mistura mangue e coqueiros. Nossa missão é encontrar o famoso “Turú” dentro do mangue de Pesqueiro, que faz parte da RESEX da Marinha, uma área de proteção ambiental determinada pelo governo federal e administrada pelo ICMBIO (Inst. Chico Mendes) em conjunto com os moradores locais.
Em menos de 50 metros de trilha o Dinei, vulgo Jacaré, encontra no primeiro tronco de árvore caído no chão esses moluscos vermiformes, que lembram uma minhoca esbranquiçada, quase transparente, de consistência gelatinosa. Em poucas machadadas eles aparecem as dezenas, sempre dentro do tronco úmido em decomposição das grandes arvores que caem no mangue.
Determinado, Jacaré passa uns quinze minutos até encontrar um turu de quase 30 cm. Orgulhoso da descoberta, ele coloca um punhado deles numa cuia e lá vamos nós retornar a praia para lavar os bichos e provar a iguaria, um alimento riquíssimo em proteína e cálcio e, dizem, um ótimo revitalizante sexual….é o Viagra marajoara!
Chegou a hora da degustação. O turú é colocado rapidamente numa cuia contendo sal e limão e aí é só “mandar pra dentro”. Alguns preferem comê-lo como ostra, ou seja, engolindo o molusco, mas a maioria, como eu, mastigam suavemente a iguaria, que depois de limpa fica com quase nenhuma gosma e parece muito mais palatável do que quando retirada da madeira em decomposição do mangue.
O sabor é suave e único, pode-se dizer até gostoso para quem nunca provou antes. Com o implemento de outros molhos ou condimentos, como por exemplo wasabi ou pimenta vira um aperitivo e tanto. Nos despedimos de Jacaré e embarcamos na canoa do tipo rabeta pelo rio de Pesqueiro. A paisagem é belíssima. O rio é margeado por uma vegetação comum em áreas próximas a comunidades na Amazônia Atlântica: coqueiros, palmeiras de açaí e vegetação de mangue se entrelaçam e fazem o visual ser inesquecível.
Após a prazerosa manhã na comunidade de pesqueiro seguimos para ver a ponta da praia no pesqueiro. Fomos almoçar no restaurante Paraíso Tropical, local agradável em meio a plantas e objetos coloridos pendurados nos galhos das árvores. Experimentei um prato a base de carne de caranguejo, vizinho de mangue do turú. Aprovadíssimo!
No fim da tarde fui ao Atelier do artista Ronaldo, a apenas 15 minutos do centro da cidade. Ronaldo trabalha com troncos de arvores e pedaços de madeira achados nas praias da região, mas suas habilidades também podem ser vista nas peças de cerâmica. Ele é um dos raros artistas que transformam o barro nas famosas cerâmicas marajoaras.