Ninguém melhor do que Gabi Figueiredo para a nova edição da série Viajando com, em que convidamos viajantes para contar suas mais incríveis descobertas em andanças nada óbvias.
Das caminhadas na Índia aos encantos culturais do Japão, ela é especialista em pesquisar os mais minuciosos segredos de um destino para garantir que seus roteiros sejam marcados pelo autêntico, pelo inesperado. A seguir, Gabi divide conosco suas experiências mais genuínas para que suas próximas viagens sejam únicas, daquelas que ficam para sempre na memória e no coração. Prontos?
1.Se você pudesse viajar para qualquer lugar amanhã, para onde iria?
Japão. Mesmo chegando só depois de amanhã! Conhecer o Japão é mais do que uma viagem no espaço. É uma viagem no tempo, para o futuro, mas um futuro imagético, de neons, robôs e vending machines. E é minha grande frustração pandêmica: tinha planejado passar dez dias em Kyoto no Réveillon de 2020 – aguardando ansiosamente a reabertura.
2.Qual a memória de viagem que mais aquece o seu coração?
De tempos em tempos, tento fazer uma viagem só com a minha mãe. Gostamos de alugar apartamentos e passar muitos dias numa cidade só, batendo perna, comprando comidinhas nas vendas locais, vendo tudo o que tem para ver, comendo em todo tipo de restaurante. Fizemos isso uma primeira vez em Paris e foi muito especial. Alugamos um apartamento que era uma antiga cocheira de um prédio do séc. XVIII, ao lado do Marché des Enfants Rouges e, na cartinha de boas vindas, o proprietário incluía um voucher para um buquê de flores de uma banca do mercado. Fomos correndo buscar o nosso e nunca me esqueço da alegria que esse pequeno gesto significou.
3.Conte pra gente seu segredo, aquele cantinho no mundo que só você conhece.
A taverna Kalofego, na praia de Pori, em Koufunisia.
Com 17km de perímetro (e 5 km² de área), é uma verdadeira joia das Cíclades. A típica ilha grega pacata, com cabras nas montanhas, janelas azuis, igrejinhas brancas e praias de cair o queixo, como Pori (de areia, em forma de meia-lua, perfeita). No fundo da praia, uma taverna, com mesinhas ao ar livre e um menu que muda todo dia, com uma abordagem muito atual da cozinha mediterrânea e os melhores ingredientes locais. Até a infalível salada de tomate com feta é melhor lá.
4. Todo mundo tem uma história curiosa de viagem. Conte pra gente um fato estranho que aconteceu com você.
Eu torci meu pé na minha festa de casamento e embarquei, no dia seguinte, para o Atacama com um robofoot na perna esquerda. Imagine uma viagem onde andar seria importante? Então, eu cheguei de cadeira de rodas. O Explora, onde fiquei, além de ser 100% acessível, conseguiu fazer uma mágica: transformou aqueles dias de tal forma que eu não perdesse nada. Consegui ver um dos cenários mais impressionantes da minha vida – o Salar de Tara – e até me aventurei numa baguncinha nas dunas no último dia. Lua de Mel é para ser inesquecível e a minha certamente foi.
5. A refeição mais memorável que já aconteceu em uma viagem.
Uma vez, há mais de 10 anos, eu me hospedei no Garzon, pousada que fica em um vilarejo perdido no tempo no Uruguai, do chef argentino Francis Mallman. Era um Réveillon e estava conformada que a virada seria ali mesmo, há alguns bons quilômetros da onda mais próxima. A surpresa veio na ceia: Francis estava lá com sua família e amigos e preparou todo o jantar pessoalmente. Maravilhas como vieiras a la plancha com radicchio, cordeiro com papas domino, tarteletas, todas feito pelo grande chef. Não bastasse o banquete, a noite teve ótima companhia e muita animação com uma turma inusitada que Mallman reuniu – com um marchand inglês, um casal de arquitetos holandeses, uma artista plástica baiana. Desde então, voltei todos os verões para o Uruguai fazendo uma parada obrigatória no Garzon para ao menos uma refeição.
6. Um quarto de hotel que te faz sonhar acordada…
Quando me hospedei pela primeira vez no Dolder Grand, em Zurique, alguns vários anos atrás, fiquei muito impactada. O hotel era muito tecnológico para seu tempo e era a primeira vez que eu via coisas como cortinas controladas por Ipad, TV no espelho do banheiro, automação de luzes – tudo com espaço, muita luz, vistas da cidade e uma varanda enorme, cercada pelo véu metálico projetado por Norman Foster para envolver o castelinho histórico do hotel original. Não dava vontade de sair.
7. Qual o maior choque cultural que já viveu?
Com certeza, todos os choques da Índia – da pobreza à espiritualidade, passando pela estética e pela loucura das cidades. Mas tem uma historinha em especial que me marcou. Viajei num roteiro de caminhada pelas montanhas do Kumaon, num dos programas incríveis que a Matueté organiza e uma das viagens mais legais que existem no mundo. Esse roteiro é 100% privativo, todo acompanhado por um guia e com hospedagem em casinhas locais retrofitadas, um charme. Nosso guia, Reno, devia ter uns 23 anos. Falava um inglês impecável por conta de um intercâmbio na Nova Zelândia. Era originalmente do Assam, região da Índia pra lá de Bangladesh, de uma cidade sem acesso rodoviário (demorava um dia a pé, depois da última estação de trem, para chegar ao vilarejo onde nasceu).
Reno era um ótimo companheiro e saber da vida dele era um dos muitos atrativos do roteiro. No final de um dia intenso de caminhada, já começando a esfriar, tivemos a notícia de que a casinha daquela noite estava sem água quente. Fiquei imediatamente frustrada, já pensando no potencial desconforto. Mas fui recebida com um balde de cobre com água escaldante, toalhas de linho e uma canequinha linda, um sabão artesanal perfumado e aquele acabou sendo o banho mais gostoso da viagem. Comentei com Reno que a minha primeira experiência de banho de balde tinha sido um sucesso. O choque, aí, foi dele: ‘Você nunca tinha tomado um banho de balde? Eu vi um chuveiro pela primeira vez aos 18 anos, quando cheguei em Auckland! Nem sabia como funcionava’. O banho, que para mim era inédito, era a realidade de quase uma vida toda do Reno.
8. Qual o seu filme, livro ou programa de TV sobre viagens favorito?
Os programas do Anthony Bourdain, Parts Unknow e o mais antigo, No Reservations. Tinha me esquecido de quanto gostava, até ver o documentário sobre sua vida, Roadrunner, lançado esse ano. Comecei a rever todos os episódios das séries originais, me deliciando com seu olhar crítico, humor ácido e curiosidade por personagens e comidas mundo afora, sempre procurando o único, o diferente, o real. Amo demais e sinto muita falta.
9. Temos só dois dias para conhecer a sua cidade, São Paulo: quais programas imperdíveis recomenda?
Começaria torcendo para que seja um sábado e um domingo! Eu amo ficar em São Paulo no final de semana e pré-pandemia tinha uma vida urbana bastante ativa. No sábado, um tour arquitetônico, como os que a Superbacana oferece com a curadoria e o conteúdo de um especialista, terminando no Centro, com caipirinhas e petiscos no Orfeu, aos pés do Copan e visitando a deliciosa livraria Megafauna. No domingo, bicicleta e centros culturais de ponta a ponta da Avenida Paulista: IMS, Masp, Japan House. São imperdíveis e, de quebra, contam com excelentes restaurantes: Balaio, A Baineira, Aizomê. É meu programa preferido.