Matueté Blog

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22 de setembro de 2016

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Israel

Israel não estava no topo da minha lista. Um motivo bem pagão me levou para lá: a comida.

Foi comprar o livro “Jerusalem”, do chefe Yotam Ottolenghi, e pronto: não via a hora de desbravar o mercado de Mahane Yehuda, comer um pita fresquinho nas padarias de Jaffa, experimentar todas as variações de falafel e homus, beber suco de romã espremido na hora.

E lá fui eu, em pleno Carnaval conhecer a Terra Santa.

Comecei por Tel Aviv, onde me hospedei no charmoso The Norman. O hotel fica na White City, bairro com a maior concentração de construções no estilo Bauhaus do mundo e tombado pela Unesco em 2003. O The Norman ocupa dois desses prédios e tem um clima delicioso de casa. Depois de uma boa noite de sono, parti para explorar a cidade, mas não sem antes provar o “Israeli Breakfast” que me oferecia o menu do hotel  – ovos mexidos, salada de tomates, minúsculas azeitonas verdes e coalhada seca com záatar. Ali, na primeira manhã, tive certeza de que minha expedição “semi-gastronômica” seria bem-sucedida.

Tel Aviv é bastante plana, e é muito fácil navegar pela cidade. Há sempre a referência da orla, e a prefeitura oferece sistema de bicicletas compartilhadas para quem quiser pedalar, embora do hotel The Norman dê para chegar a quase qualquer lugar a pé.

20160208_10370020160211_132009 Saí em direção ao mar, cruzando o bairro trendy de Neve Tzedek, com suas lojas tão pequenas quanto bacanas, brechós e cafés. Andei por toda a orla, vi a praia, os beach clubs que devem ferver no verão (era fevereiro) e cheguei a Jaffa, a antiga cidade murada, o porto importante da antiguidade e hoje refúgio de artistas locais e de muitos, muitos gatos.

Meu destino em Jaffa era a padaria Abulafia, estabelecimento centenário, que assa na hora burekas e pitas, e tem uma oferta incrível de doces. Os fornos em ação são um espetáculo à parte. De lá, voltei à parte “nova” da cidade, para visitar o Museu de Arte de Tel Aviv, que abriga uma grande coleção de artistas israelenses e judeus dos séculos XIX e XX, além de exposições temporárias, sobretudo de fotografia – estas nos corredores e salões futuristas da nova ala, a Amir Building, com paredes de concreto em ângulos pouco usuais. Pedalei pela White City no finalzinho da tarde, e tomei drinks no animado bar do hotel antes do meu primeiro jantar em Israel. Não me decepcionei com o Mizlala, restaurante de forte apelo mediterrâneo e excelente carta de vinhos das colinas de Golan.

Daria para ter passado muito mais tempo em Tel Aviv, mas eu tinha que continuar viagem. Como o país é pequeno, num único dia (longo e num ritmo acelerado, devo confessar) foi possível percorrer todo o norte de Israel. Em Nazaré, visitei o famoso Santuário e comi os melhores doces de massa phyllo e pistache que já provei. Em Copernaum, tomei o primeiro copo (de muitos) de suco de Romã.  Entre Tabgha, lugar do milagre bíblico da multiplicação dos peixes, e Tiberíades, às margens do Mar da Galileia, numa banca de beira de estrada, provei um falafel frito na hora, temperado com um picante molho de manga trazido a Israel por judeus iraquianos – viciante.

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Comendo e bebendo entre cenários de passagens bíblicas, desci o vale do Rio Jordão (cruzei toda a margem ocidental, a famigerada “West Bank”), vi o deserto virar verde e depois deserto de novo, coloquei a pontinha do dedo no Mar Morto e finalmente cheguei a Jerusalém.

 O dourado do Domo da Rocha brilhava sobre a cidade branca. Foi uma visão inesquecível.

Em Jerusalém dividi minha estadia entre dois hotéis. O primeiro foi o agradável American Colony.    Do lado árabe da cidade, foi originalmente uma “colônia” de evangélicos americanos que imigraram para a Terra Santa no século XIX, e até hoje conserva o clima “Old World” e uma atmosfera misteriosa – o hall e o bar adorável, com alguns tipos indecifráveis, parecem cenário

Dividi meus dias também entre almoços autênticos e jantares incríveis.s de um romance de Carré ou Graham Greene. O outro foi o moderno Mamilla, colado nas muralhas da cidade antiga. Cada um tem seu charme e suas vantagens: o American Colony é o hotel dos expats, dos correspondentes de imprensa internacionais, do bar intimista, dos quartos grandes e old fashioned. O Mamilla é o hot spot da cidade: com sua bela arquitetura que mescla referências locais – como as pedras da fachada – à linguagem contemporânea, fica adjacente a um mini shopping simpático e muito perto do principal portão de Jerusalém, o Jaffa Gate.

Fiz uma caminhada sobre as muralhas, programa quase desprezado pela maioria dos turistas, mas que dá um panorama único de Jerusalém. Desci no Arab Quarter e corri para a casa de homus Abu Shukri. Sem pratos, com talheres de plásticos e guardanapos de papel, comi o melhor falafel e o melhor homus da viagem. Ao lado do Mercado de Mehane Yuda, programa obrigatório, conheci o simplíssimo Rachmo, que serve charutinhos de folha de uva que derretem na boca e sopa de beterraba com bolinhos de carne, outra especialidade dos judeus iraquianos.

Andei pelos jardins do Domo da Rocha, subi o Monte das Oliveiras, fui a Belém. Vi as preces no Muro das Lamentações. Testemunhei as emocionantes celebrações de Bat e Bar Mitzvah no Muro das Lamentações. Percorri a via Dolorosa com um grupo de monges franciscanos que narravam a paixão de Cristo a cada uma das estações. Subi escada, desci escada, me perdi em labirintos.

Cruzam-se bairros e religiões em poucos passos. Assim como se transita entre mediterrâneo e oriente em poucos pratos.

20160211_133121O melhor do Mediterrâneo provei no Chakra, de frente para uma bela praça num bairro novo da cidade. No intimista Mona, bistrô num casarão lindo, vi pratos com uma linha mais europeia, mas com nítida influência do oriente – uma coalhada aqui, um zaatar lá.  Tudo muito delicado. O Lehem Basar (Meat & Eat) é curioso, uma steak house kosher que abre no Shabat, lota de jovens religiosos e ocupa um galpão no complexo First Station, onde funcionava a antiga estação do trem que ligava Jerusalém a Jaffa.

O ponto alto foi o Machneyuda: pratos tradicionais revisitados como o Shikshukit, carne moída de cordeiro com tahini e iogurte ou as lulas com creme de berinjela defumada e harissa, salada fatush como nunca antes vista, tudo numa atmosfera vibrante, cozinha cheia de energia, chefs que brindam com os comensais a cada prato.

Há algo de fresco, de novo, de muito interessante na culinária israelense. “Farm to table” aqui é condição, não atrativo. É como se já tivessem superado todos os modismos, coletado o mais gostoso e o essencial desse privilegiado mix de influências de quem está de frente para o Mediterrâneo e de costas para o Oriente Médio, e produzido algo único.

E, claro, a comida é só um pequeno-essencial motivo para conhecer Israel

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